sexta-feira, 16 de maio de 2014

Correspondências: N., viagem


Lady Violet e o encouraçado austríaco, desenho de Federico Fellini para E la nave va... (Itália, 1983).

ESTAÇÃO
A minha não chegada à estação de N.
ocorreu pontualmente.
Foste avisado por
uma carta não enviada.
Conseguiste não chegar
à hora prevista.
O comboio entrou na linha três.
Saiu muita gente.
Na multidão, dirigia-se para a saída
a minha pessoa ausente.
Algumas mulheres agitadas
substituíram-me
em toda aquela agitação.
Para uma delas
correu um desconhecido,
mas ela reconheceu-o
imediatamente.
Eles trocaram
o não nosso beijo
e entretanto desapareceu
a não minha mala.
A estação na cidade de N.
ficou aprovada no exame
de existência objectiva.
Tudo estava no seu lugar.

Os pormenores seguiam
as trajectórias predefinidas.
Até se realizou
o encontro combinado.
Fora do alcance
da nossa presença.
No paraíso perdido
da probabilidade.
Em outro lugar.
Em outro lugar.
Que bem que soam estas palavrinhas.

- Wislawa Szymbroska; trad. Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. IN: "Alguns gostam de poesia"- Antologia- Czeslaw Milosz e Wislawa Szymbroska, Cavalo de Ferro, 2004.
*

uma marna para N.

sei pouco, muito pouco de ti. que tens quatro monossílabos no nome, que esplendes como um verão inaugural. teu horizonte é o provável. como um peixe que deixa seu rastro veloz no ar  - é a tua mão esquerda. afeita a brancos adeuses e apelos e à ambidestra escrita da poesia. não sei se me entendes: antes de os peixes, os pássaros, as algas, as luzes nervosas de um farol e as águas escolhidas nas piscinas existirem, já eras olhos, algas, sereias, conchas que me surpreendiam numa curva do teu seio,  uma água viva entre os artelhos, uma mão deixada sobre a tua vulva, um respiro, um arfar, tênue gemido entre as espumas. os poucos sinais do código, com que nos entendemos, falam de presságios, ternuras, esquivanças e um vocabulário precioso da arte renascentista. sei: teu silêncio é a marca dos teus pés nas areias, o andamento rítmico de um verso na tarde alheia e tuas breves palavras, águas acolhidas que se bifurcam quando cortadas de repente. uma cesura. nunca soubeste: desejaria ser para ti um servil vigilante de uma capitania.  nunca saberás, ou, quem sabe, no fluir de um verão veloz adivinharás. e em nossa branda clausura cerraremos nossos lábios.

- Jarbas Martins
*

A grande onda ao largo de Kanagawa (das Trinta e Seis Vistas do Fuji), de Katsushika Hokusai, feito entre 1823-1829 - xilogravura, 25x38 cm. 

Usando contornos firmes e formas definidas com extrema precisão, o artista japonês Hokusai foi surpreendemente bem sucedido ao nos transmitir a magnificência assustadora de uma grande vaga. Essa xilogravura fazia parte de uma série de vistas do monte Fuji, e o cônico e nevado pico vulcânico pode ser visto ligeiramente à direita do centro do quadro. Mas, evidentemente, é a gigantesca e imponente onda à esquerda, encrespada e prestes a quebrar, que primeiro se apossa de nossa atenção. A espuma turbilhonante se desfaz na miríade de pequenas garras, cada uma delas claramente definida. O irresistível ímpeto ondulante do mar é revelado pelas formas brancas, de recortes nítidos e eriçados. A composição constitui toda ela uma imagem tão vigorosa do mar tempestuoso e, ao mesmo tempo, um arranjo decorativo tão maravilhosamente agradável, que só algum tempos depois se começa a prestar atenção aos detalhes e se descobrem as embarcações quase a pique e os homens derrotados pelo esforço inglório.

NINA
[uma metatradução pra uma calabresa]

Nina dice di avere la pelle color della neve
e due occhi neri come la pece
Nina dice che anche se è giovane
per amore ha già pianto, che nemmeno una vedova
ma ha smesso, ha dimenticato
Nina adora viaggiare ma non si arrischia per un paese
così lontano come il mio
Nina dice che ha fatto la mia carta del cielo
dove il mio destino rapisce il suo
Nina dice che se voglio posso vedere sullo schermo
la città, il quartiere, il camino di casa sua
Posso immaginare l'interno della casa
il vestito che porta, i capelli, il diadema
Posso perfino indovinare che faccia fa
quando mi scrive
Nina desidera conoscermi presto
portarmi nella notte di Mosca
Ognivolta che suona questo valzer
chiudo gli occhi, bevo un pò di vodka
e vado.
*

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